Procura-se um sol

A igualdade dos olhos e dos erros de todos constrói uma atmosfera sem evolução. Todos seguem as mesmas linhas, todos são usados e desprezados, todos estão perdidos em sua própria escuridão. Se o mundo acabar, o teto desabar ou o chão os engolir, irão todos juntos, ninguém vai cair em si.

O ar que respiramos e as nuvens que vemos no céu nos remetem aos piores dias de nossas vidas: ontem e hoje. A depressão paira sobre todos, como a guerra que se aproxima nitidamente, mas ninguém ousa admitir. Os personagens deste cotidiano soam tão pueris, alguns aceitaram sua condição de meros pedaços de papel riscado por uma atitude omissa que ninguém se importa.

A tristeza está no âmago destas criaturas, ela é um câncer profundo que se alastra pelo corpo. Assim como uma doença, é visível em suas faces. Mesmo assim, ninguém deixa as lágrimas, que escorrem pela sobrancelha e por debaixo dos olhos quando choram deitados, escaparem de seus cortes profundos, da sua babaquice inerente, da sua vida bagunçada.

Arrumam suas mesinhas, suas coisinhas, suas mãozinhas como em seus sonhos e permanecem sem acordar. A realidade, como entidade inescrupulosa que é, agride os pequenos cidadãos inocentes com seu punho teso e gelado. As crianças saem desesperadas deixando pedaços de borracha em cima da mesa, para que as outras encontrem o mesmo terror ao se aproximar de seu antigo cenário mórbido.

Sei que ando nas mesmas linhas que todos, sou tão descartável e vazia quanto todos. Mas eu os vejo. Observo como se movem, como se frustram e, embora estejam completamente subjugados ao desgosto, atuam harmoniosamente.

E eu? Eu que me encontro nas rugas de suas vidas, no canto mais obscuro de seu comportamento, a observá-los passando em minha frente, sei que dentro de mim o cancro que me escraviza é o anseio por mudança. A minha diferença deles, que me esforço em esconder, borbulha e entra em erupção. Sai pela boca quando falo, vive em meus olhos quanto me emociono e é retumbante em meu peito quando a paixão me domina.

Comi minha comida sem filtros, saí de casa sem óculos escuros. Não vejo o sol, mas sou sincera. Sou como os outros, sou como qualquer um e não valho mais do que ninguém. Por dentro, sei que as diferenças são explícitas, uns mais cheios de nada do que outros.

Só o que busco é a luz, queria emanar de mim tamanho fulgor que traz o sol e tocar o coração destes escravos e libertá-los. Todos. Sei que quando puderem sentir e ver o mundo com metade ou dez vezes mais resplandecência do que vejo, a tristeza os tocará novamente. O mundo tem grandes porções de coisas ruins. Neste breu, distante vê-se uma estrela. Aproxima-se a libertação, quando entenderem que, de perto, é o Sol que veem.

Quando o dia nasce, isento de metáforas, e o clima é favorável, a manhã faz tudo parecer puro, com sua essência sincera. O frio é acolhedor, o vento é confortável, o calor é ameno. Os raios de sol que entram pela janela parecem mais verdadeiros, consigo ver a beleza do mundo, os sentimentos são concretos.

A mesma luz que há de matar os vampiros tende a me ressuscitar. Nesses dias a própria vida que me preenche é pura luminosidade, mas sei que não preenche a todos. Pela mesma janela que entra a luz divina, vejo os mortos. Procuro um farol que possa nos abençoar, estão todos morrendo, mas quero viver.

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